sexta-feira, 6 de março de 2009

As Três Metamorfoses do Espírito ( Para o grande amigo Jonathan ler)

Universidade Federal do Rio de Janeiro

CLA – Faculdade de Letras – Departamento de Ciências da Literatura

Teoria Literária – Professora Maria Lucia Guimaraens

Turma LEI

As três Metamorfoses do Espírito

Usando um cérebro superhumano, Nietzsche desenvolve a apresentação das três metamorfoses do espírito, que classifica como o Camelo, o Leão e a Criança. Elas ocorrem quando o homem, cansado da comodidade e da monotonia de sua existência (camelo), resolve libertar-se e entra então num período de rompimentos, de desapegos e entra numa luta contra si mesmo (leão) para, então, recriar a vida. Chegando assim, ao ponto onde tudo que é velho pode tornar-se novo (criança).

Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche coloca a sua submersão no universo das inquietações de todos os seres e expõe a necessidade da transformação. Visto que o espírito traz em si todo peso da sua existência e não se permite questionar, e sem o questionamento dos verdadeiros motivos de sua existência, é impossível evoluir, criar, crescer, acontecer. Repleto de vontades o espírito fica estagnado e sem forças para lutar contra os dogmas que a sociedade em que vive lhe impõe. Nesse ponto, o espírito se vê forçado a provocar uma mudança, sobrecarregado pelo peso de sua existência, que vaga como um camelo carregando seu fardo de viver sem existir, de existir sem viver. A voz que grita em sua consciência não pára de exclamar: Tu deves!

Quando provoca uma cisão com tudo que o prende ao seu peso mórbido de existência, o espírito se torna forte, decidido, com vontade própria. Ele deixa de ser um camelo no deserto e passa a ser o Leão que ruge. Aquele que rasga com seu passado e está na busca do novo. Aquele que quer ter voz, que quer ser alguém. Dono de suas próprias decisões. Participar ativamente da vida. Viver, existindo. Existir, vivendo. Nesse momento, a voz a que ouve, diz: Eu quero!

Depois de romper com sua corcova e assumir as rédeas do cavalo de sua existência, o espírito parte numa busca incansável por seu objetivo: tornar-se algo bastante simples e sutil, algo que possa estar sujeito novamente ao processo da criação. Quer tornar-se um ser melhor, a criança. Precisa da inocência da criança para voltar ao ponto de partida e criar de novo. Um círculo infinito de criação. Nesse ponto a voz lhe sussurra: Eu sou!


Análise do Conto Fita Verde no Cabelo de Guimaraens Rosa



O objetivo deste texto é apresentar a relação entre a obra belíssima de Guimaraens Rosa com o ponto da Disciplina Teoria Literária I, ministrada pela Professora Doutora Maria Lúcia Guimaraens, no qual ela trata das Três Metamorfoses do Espírito da Obra de Nietzsche, Assim falou Zaratustra.

Pontuarei os momentos do texto que Rosa faz menção as transformações a que o espírito humano é submetido.

Comecemos pelo Camelo...

O texto começa com a colocação de que existia uma vila em algum lugar, que era inexata. Não havia importância nem no tamanho nem na localização desta. Quando diz que os velhos velhavam, os adultos esperavam e as crianças nasciam e cresciam, apresenta-se o camelo. Que existe e carrega nos ombros o fardo pesado de sua existência. Na vila, todos tinham juízo, todos tinham se acostumado com o seu estado, exceto uma menininha. Aqui começa a apresentar-se o Leão.

Todos na vila seguiam um mesmo modelo de vida. Essa menina resolve, simplesmente, não ter juízo. Acontece que quando sua mãe lhe envia para a casa de sua avó, ela leva consigo pedaços do camelo em seu agir: Leva um pote de doces, um cesto, ainda vazio, para buscar framboesas no caminho; aparentemente vai seguir o mesmo caminho de todos. Aparentemente...

Dentro de si, Fita verde pensa: “Vou seguir o caminho que mamãe ordenou.” A voz de sua consciência grita o Tu deves!

No caminho pelo bosque, o caminho que os lenhadores já haviam preparado, matando o lobo, deixando tudo calmo e comum, sem lobo e sem perigo, um “deserto” perfeito para o camelo atravessar, fita verde decide como o Leão romper com sua corcova. Toma um caminho diferente, um caminho mais longo, mais trabalhoso. Mas agora ela tem vontade.

Rosa diz que as borboletas que divertem a menina não estão nunca em buquê e nem em botão. Aquilo que é natural está sempre no processo de criar, de nascer. Não se prende ao nascido, mas ao fato de nascer, de acontecer, de realizar. O processo da vida acontecendo naturalmente.

Fita verde se encanta neste caminho. Vive sua vida, largando para trás até sua sombra. Não quer o resto do que a prendia a gozar do mesmo juízo de seus conterrâneos. Agora a voz de sua consciência lhe conforta: Eu quero.

Ao chegar à casa de sua avó, a menina bate à porta. Identifica-se. Embora soubesse que era diferente, que havia conhecido o caminho do outro lado, precisava revelar-se da forma que os outros a conheciam: a menina com cesto, pote e fita verde no cabelo, do jeito que a mãe lhe enviara.

No diálogo com a vovó, que a mandara entrar, a menina se espanta em ver suas condições. A avó lhe diz para entrar correndo, enquanto ainda houvesse tempo. Ela sabia que estava acontecendo algo de ruim. Fita verde ao entender a gravidade da situação, percebe-se sem a fita verde no cabelo. Percebe que realmente mudou. Que não tem mais sua característica de comum. Fita verde finalmente está pronta para crescer, para mudar, para evoluir, para criar algo novo. Sua voz diz: Eu sou! Ela aprende com a morte da avó, que a vida é efêmera, que precisa existir e está apta a ser algo que nunca fora. A Criança é a matéria prima para o tudo. A criança tem a inocência necessária para a criação. No vazio encontra-se toda a matéria prima necessária para o novo ser acontecer.

3 comentários:

  1. Grande Pedro...fico lisongeado com a homenagem....e que possamos nos fazer criança...e dizer um sim criativo a vida. NIetzsche e Rosa, amo demais...obrigado por postar o texto....uma grande junção desses grandes poetas/filósofos, mais poetas do que filófos...abraços

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Pedro, esse texto é demais, independênte de religião, credo ou crença, eu achei lindo, mas para mim, é bastante utópico, pois você sabe que sou um pouco digamos.... cientólogo, não acredito muito nesse "lance" de espírito e tal, acho que o homem é matéria pura, e ela já basta, dela saem coisas inemagináveis...
    Mas de qualquer forma, seus textos são de uma intelectualidade pouco vista nos tempos atuais!
    Parabéns cara, te amo!

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