quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Desequilíbrio vizinho

Cantando vem ele
- dizem as boas línguas
Lá vem o velho cheio de si
Cantando por cima dos ombros
Olhando por cima dos olhos
Andando por cima do chão
Voando acima do céu...

Ele vem, o professor rabugento.
Lança notas em todos.
A todos corrige
A todos aponta o caminho
E nem se preocupa em saber
Se eles querem seguir
Niguém lhe perguntou nada,
ouvi certa vez dizerem-no

O professor velho, e metido a besta
cheio de arrogância
que cantava sempre as mesmas canções
Embora nunca as repetisse
(Ele sabia muitas delas):
todas eram iguais.
Ele queria buscar um tempo que já não é mais
Não tem mais tempo
pra fazer o tempo voltar

...

Certo dia, o professor morreu
Na escola não se falava outra coisa
Morreu o velho chato
o velho caduco
O velho velhou-se na velharia da velhice

Enraigado em curiosidade, fui a sua casa
Lá encontrei Fábio, um passarinho que era verde
Agora era roxo.
Nos tempos comuns, Fábio cantava e ouvia o que cantava o velho
Hoje ele nem canta e nem ouve mais seu rei.
Naquele poleiro sujo como o de uma fênix que acabara de morrer
havia um pássaro que me contou o triste fim do velho

Ele morreu de desgosto
-Me disse
Ninguém entendia mais o que um professor deveria ser
Ninguém entendia como os amigos devem olhar por cima pra fazer o outro crescer
Ninguém aceitava ser classificado com notas, mas adoravam dar notas aos outros
Todos zombavam dele e ele só quis ajudar

A púrpura ave em luto me continuou:
Todos o viam passar pelas nuvens cantando
E acham que era louco
E esqueciam que quando você é você, tem um mundo só seu
Acho que todos os outros esqueceram que todos nós também somos cada um...

- Meu dono não sabia mais qual o motivo o fazia cantar
Eles não sabem que o desprezo mata mais do que muito veneno
Era tão bela a sua voz rouca e desafinada, ele cantava a vida
Hoje eu canto a morte, nessa minha quaresma infernal

Mas lembro bem de que havia uma frase que ele me deixou
ela dizia:
"O grande homem é aquele que vê no desequilíbrio vizinho, uma chance para os dois se equelibrarem no barbante sutil da vida."
Acho que ele soube viver
Acho que ele não soube morrer
E nem porque morreu para eles.