quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Consolo...

Numa noite calma,
Daquelas em que a alma
Se esquece dos traumas
Que em outras primaveras sofreu

Foi-se tão cedo
Foi-se sem medo
Foi sem segredo
Que da minha vida se perdeu

Era tão nova, ela
Era tão linda, bela
Tão amada era aquela
Que deu abrigo ao corpo meu

Agora sei que a vida
Mesmo com cara de partida
Tem aroma de querida
Quando quem se ama desapareceu

Mas me resta o consolo
Pra esse novo poeta bobo
esse pobre poeta tolo
Que de verdade nunca foi meu

O ser desta mulher tão linda
E embora eu a sinta ainda
Sei que hoje se encontra finda
A vida da alma que se ascendeu

Hoje sou feliz e mais forte
Sempre tive alguém, tive sorte
E mesmo quando enfrentei a morte
Da minha mãe, isso me enriqueceu

Conto a todos que as cuidem com amor
E que saúdem sempre com louvor
As mães que lhes deu o Senhor
Pois que Ele nunca se esquece dos seus

E mesmo com saudade imensa
Com o sofrimento e a doença
Nunca se abalará minha crença
Nem a morte me separará de Deus!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Desequilíbrio vizinho

Cantando vem ele
- dizem as boas línguas
Lá vem o velho cheio de si
Cantando por cima dos ombros
Olhando por cima dos olhos
Andando por cima do chão
Voando acima do céu...

Ele vem, o professor rabugento.
Lança notas em todos.
A todos corrige
A todos aponta o caminho
E nem se preocupa em saber
Se eles querem seguir
Niguém lhe perguntou nada,
ouvi certa vez dizerem-no

O professor velho, e metido a besta
cheio de arrogância
que cantava sempre as mesmas canções
Embora nunca as repetisse
(Ele sabia muitas delas):
todas eram iguais.
Ele queria buscar um tempo que já não é mais
Não tem mais tempo
pra fazer o tempo voltar

...

Certo dia, o professor morreu
Na escola não se falava outra coisa
Morreu o velho chato
o velho caduco
O velho velhou-se na velharia da velhice

Enraigado em curiosidade, fui a sua casa
Lá encontrei Fábio, um passarinho que era verde
Agora era roxo.
Nos tempos comuns, Fábio cantava e ouvia o que cantava o velho
Hoje ele nem canta e nem ouve mais seu rei.
Naquele poleiro sujo como o de uma fênix que acabara de morrer
havia um pássaro que me contou o triste fim do velho

Ele morreu de desgosto
-Me disse
Ninguém entendia mais o que um professor deveria ser
Ninguém entendia como os amigos devem olhar por cima pra fazer o outro crescer
Ninguém aceitava ser classificado com notas, mas adoravam dar notas aos outros
Todos zombavam dele e ele só quis ajudar

A púrpura ave em luto me continuou:
Todos o viam passar pelas nuvens cantando
E acham que era louco
E esqueciam que quando você é você, tem um mundo só seu
Acho que todos os outros esqueceram que todos nós também somos cada um...

- Meu dono não sabia mais qual o motivo o fazia cantar
Eles não sabem que o desprezo mata mais do que muito veneno
Era tão bela a sua voz rouca e desafinada, ele cantava a vida
Hoje eu canto a morte, nessa minha quaresma infernal

Mas lembro bem de que havia uma frase que ele me deixou
ela dizia:
"O grande homem é aquele que vê no desequilíbrio vizinho, uma chance para os dois se equelibrarem no barbante sutil da vida."
Acho que ele soube viver
Acho que ele não soube morrer
E nem porque morreu para eles.